'Não cai a ficha': Zé Neto e Cristiano falam de trauma e depressão após morte de Marília Mendonça
24/07/2025
(Foto: Reprodução) Zé Neto e Cristiano falam de trauma e depressão após morte de Marília Mendonça
A morte de Marília Mendonça, em um acidente de avião em novembro de 2021, teve impacto direto na vida e na carreira da dupla Zé Neto e Cristiano, uma das mais populares do sertanejo.
"Marília - O Outro Lado da Sofrência" é um podcast do g1 sobre o impacto permanente da cantora na cultura brasileira e na vida dos que conviveram com ela. O primeiro episódio mostra como a partida de Marília gerou um trauma no meio musical e redefiniu a carreira de alguns artistas (ouça abaixo ou na sua plataforma de áudio preferida).
A dupla Zé Neto e Cristiano com a amiga Marília Mendonça
Reprodução/Instagram
Amigos da cantora desde antes da fama, os dois viram a perda influenciar a rotina, o trabalho e, no caso de Zé Neto, a saúde mental. Em 2024, a dupla precisou se afastar dos palcos por três meses após o artista ser diagnosticado com depressão -- algo que eles atribuem, em parte, à experiência com o luto.
"Foi uma das piores fases da minha vida, quando ela foi embora", desabafa Zé Neto. "Às vezes, até sinto dificuldade de ouvir as músicas da Marília, porque não cai a ficha de que [a morte dela] realmente aconteceu", complementa Cristiano.
Em uma entrevista franca, Zé Neto e Cristiano falam ao g1 sobre o talento da amiga, a influência que ela ainda exerce na música e o trauma gerado por sua ausência. Também refletem sobre as mudanças que o luto e a depressão geraram na agenda de shows da dupla, reduzida à metade nos últimos meses: "Se a gente não tiver paz de espírito, o que adianta ter R$ 10 milhões na conta? Nossa paz, não tem dinheiro que compre".
g1 - O que Marília Mendonça tinha de especial como artista?
Zé Neto - Na minha opinião, Marília foi um dos maiores fenômenos que já aconteceram. Ela era diferente, tinha uma energia diferente. Ela era uma artista completa, capaz de transformar qualquer música comum em algo incrível. Ela tinha um timbre de voz diferente, era fora da da curva mesmo. Até hoje eu não vi nada igual.
Cristiano - Para mim, ela representou uma quebra de paradigmas. Marília era ela e acabou, ela não abaixava a cabeça, era muito certa e decidida do que queria, do que ela pensava e como agia. Ela tinha uma força e uma presença muito fortes. Aonde ela chegava, ela falava: "Eu sou Marília Mendonça", antes mesmo de fazer sucesso. Ela cantava "Parabéns pra você" e a gente se emocionava.
g1 - De que forma a Marília continua influenciando o sertanejo?
Zé Neto - Todo mundo que viveu a era Marília Mendonça sabe que tem muito dela na música de hoje. A Marília, além de ser uma grande cantora, foi uma das maiores, senão a maior, compositora do sertanejo. A maioria dos artistas tem músicas gravadas, sucessos que são cantados até hoje e que muitas pessoas nem sabem que foi a Marília quem escreveu. O legado dela ficou eternizado, dificilmente isso vai passar. Ela veio por um curto período de tempo, mas fez toda diferença na música.
Cristiano - A Marília não vai passar nunca, porque nunca vai existir alguém que preencha essa lacuna que ela deixou. Nunca vai existir outro artista que seja como ela, tão completa e eficiente naquilo que faz e decidida de si. Não é só uma questão de timbre de voz, mas sobre quem ela realmente era.
"Podem existir outras vozes parecidas, mas uma artista completa como era a Marília? Jamais."
g1 - Como o meio sertanejo reagiu ao luto pela morte de Marília e de que forma esse luto impactou vocês dois?
Zé Neto - A gente sente até hoje. Falar que não sente é mentira. Foi uma das piores fases da minha vida, quando ela foi embora porque a gente tinha uma proximidade muito boa, uma amizade, desde antes do sucesso. Quando a gente se encontrava, era sempre aquela festa: a conversa era gostosa. E isso foi uma das coisas que mais doeu: estávamos sempre juntos e, com a correria do sucesso, as coisas foram esfriando um pouco. Ela tinha o tempo dela e a gente tinha o nosso. A gente perdeu um pouco daquele brilho de estar juntos toda hora, porque a carreira demanda muito tempo.
E eu fiquei muito mal, sabe? Eu não consegui… eu demorei para me reerguer. Até hoje, falar nesse assunto dá um vazio no coração.
"Não tê-la mais aqui, parece que tem um buraco dentro da gente, que nunca vai ser preenchido."
Mas, no que depender de Zé Neto e Cristiano, o legado dela vai continuar vivo, as músicas delas vão continuar vivas.
Cristiano - Eu confesso que, às vezes, até sinto dificuldade de ouvir as músicas da Marília, porque não cai a ficha de que [a morte dela] realmente aconteceu. Desencadeou traumas com a estrada, o medo, a insegurança. Todo mundo sabe dos problemas pelos quais Zé passou e um dos fatores que desencadearam isso foi o acidente da Marília, a partida dela. Ressignificou a vida de muitos de nós que trabalhamos nessa vida de estrada, de carro, de van, de avião, de ônibus, o tempo todo. Virou um luto generalizado, não tenho dúvidas disso, até hoje.
Zé Neto e Cristiano em show na Festa Junina de Votorantim (SP)
Divulgação / @off.contest
g1 - Hoje, já de volta aos palcos, como vocês enxergam essa experiência do Zé Neto com a depressão?
Zé Neto - Antes, sobre essa doença, eu falava: "Ah, isso aí não é nada, é coisa da televisão, de gente fraca…". Até viver na minha pele. Hoje, eu te falo que o mundo precisa se cuidar, porque é uma doença silenciosa e que mata mesmo. Ela tira toda a sua vontade de fazer tudo, até as coisas que eu mais amo, eu não tinha vontade de levantar da cama para fazer.
Cristiano -
"As pessoas pegam uma tomografia de câncer e constatam que aquela pessoa está doente. A depressão não sai em exame, não sangra, é uma doença da alma."
As pessoas precisam se cuidar, precisam aceitar que estão doentes e se tratar. E quem está em volta também precisa entender e aceitar que é uma doença.
g1 - O que mudou na rotina de vocês?
Zé Neto - Reduzimos a quantidade de shows pela metade. Hoje, fazemos dois shows por semana, três no máximo. Tem algumas coisas que a gente passou a não abrir mão: o tempo com a nossa família, nosso lazer, nosso descanso. Nós paramos para refletir o que queremos para nossa vida, aonde queremos chegar. Se você quiser, dá para fazer 60 shows em um mês, é só fazer dois por dia. Mas, para quê? Para onde? Para quando? O que que eu vou fazer com isso?
Tivemos uma pausa, que foi muito importante para isso, para respirar e pontuar o que é realmente necessário. Nós amamos cantar, amamos o que fazemos, mas não é só isso. A vida não se resume ao trabalho.
"Se a gente não tiver paz de espírito, o que adianta ter R$ 10 milhões na conta? Nossa paz, não tem dinheiro que compre."
g1 - O meio da música está mais consciente sobre os impactos da vida na estrada e da rotina de shows?
Zé Neto - Eu acho que ainda há uma lacuna muito grande. Algumas pessoas estão mais atentas, mas tem muita gente ainda trabalhando errado. Tem pessoas que infelizmente ainda vão colher o ardor dessa doença, pelo excesso de trabalho. Muitas vezes, as pessoas em volta, que tinham que ajudar, acabam forçando ainda mais, pedindo demais. Tudo isso é um perigo.
É preciso saber se policiar, para ter momentos de folga, fazer coisas que você gosta, estar com a sua família, enfim, equilibrar as coisas. Acho que tudo na vida tudo é equilíbrio. Tem muita gente por aí que só está trabalhando, trabalhando, trabalhando. Eu vejo de longe e só rezo e peço para Deus.